Nos últimos dois anos a humanidade mudou muito. Nos últimos meses mudamos nossa forma de trabalhar, estudar e nos relacionar com o outro. Mas sobretudo mudamos a nossa relação com o tempo.
Sempre pensamos que haveria tempo. Tempo para fazer todas as coisas que sempre planejamos e sonhamos. Tempo para visitar lugares, descobrir novas paixões, abrir um negócio.
Aí veio a pandemia e encurtou o nosso tempo. De repente nos foi tirada, sem aviso prévio, toda a nossa expectativa de futuro.
E muitos de nós experimentamos esta abreviação prematura do tempo da forma mais dolorosa possível: o luto.
6,9 milhões de pessoas morreram em todo o mundo em decorrência da Covid-19. Pessoas jovens, com toda a vida pela frente, pais, mães, irmãos, tios, avós, entes queridos e pessoas que admirávamos. A cada perda, nós sofremos, choramos e vivenciamos o vazio do fim de uma existência humana. Fomos privados até mesmo da despedida – um ato importante do processo de luto – o que nos distanciou ainda mais da realidade.
Não há lugar na mente para tanta dor, não há palavra que consiga dar conta de significar, de dar algum sentido imediato. Ser acolhido na dor, poder falar, chorar, dizer dos sentimentos são formas de tentar elaborar este luto que precisa de tempo e que acontece dentro dos limites possíveis para cada um.
O que é a morte?
A morte é o fim da existência humana. É o fim do tempo da vida e de todas as coisas. Morrer é, assim, o meio mais decisivo e solene para se livrar das funções e labutas da vida. É “finar”, concluir, terminar, quebrar um ciclo e desacelerá-lo por completo.
O que é o luto?
O luto pode ser entendido como uma reação a uma perda significativa. Sentimos o luto quando perdemos algo insubstituível e para sempre, fazendo com que nossa vida nunca mais seja a mesma.
Instituto de Psicologia (IP) da USP que estuda a tanatologia – ciência que se ocupa dos assuntos relacionados ao fim da vida e à maneira como as pessoas reagem a ele – descobriu que o processo de luto é composto de um conjunto de reações que não necessariamente ocorrem ordenadamente.
O tempo é variável e depende do grau de vínculo, bem como da capacidade que a pessoa enlutada tem de lidar com a dor, além de auxílios externos que apoiem este processo. E embora algumas pessoas desenvolvam quadros depressivos após uma perda (o processo de luto pode demorar até dois anos, segundo especialistas), tendo mais dificuldades de passar pelas fases do luto, é importante compreender que luto não é depressão.
Fases do luto
Muitos dizem que o luto tem fases: Negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Mas é realmente difícil afirmar que todos passarão por todas estas fases, pois cada um de nós vai reagir de forma diferente.
Os nossos sentimentos muitas vezes não acompanham o acontecimento das coisas da maneira como esperamos. Devemos respeitar o momento de cada um (e de nós mesmos) para ter estas reações que, como podemos imaginar, são inesperadas e imprevisíveis.
O luto é um processo complexo de elaboração de uma perda e o seu tempo de duração está relacionado diretamente à relação com aquilo se perdeu
Como podemos superar o processo do luto
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Sincep (Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil”, em 2018, falar sobre a morte é considerada um tabu para mais de 73% dos brasileiros.
A pesquisa escutou mil brasileiros, dos quais 48,6% não estavam preparados para lidar com a morte de outra pessoa; 30,4% têm muito medo de morrer e 30,4% não sabem como ou com quem falar sobre a morte.
Dez por cento acredita que falar sobre a morte, pode atraí-la. Os dados mostraram que 32,5% de pessoas com mais de 55 anos conversavam sobre a morte, entre os jovens, o número cai para 21%.
Outro levantamento recente sobre o tema diante de outros surtos de doenças infecciosas, como a cólera e o ebola, aponta que o isolamento dos doentes e a impossibilidade de realizar os rituais pós-morte causam impacto negativo no processo de luto e à sociedade.
Por isso, o primeiro passo é de alguma forma fazer com que a despedida aconteça, mesmo que simbolicamente. O processo de despedir-se é importante, pois sinaliza ao nosso cérebro que a pessoa se foi e que precisaremos, em algum momento, recomeçar. A falta dessa despedida pode desencadear problemas à nossa saúde mental, ampliando o risco de um luto complicado, ou seja, quando o processo se dá de forma mais intensa e duradoura.
Esse recomeço envolve dor em um primeiro momento e a reorganização da nossa rotina e das nossas emoções. E o processo do luto é justamente a busca pela retomada dessa rotina. Durante o luto precisamos apoiar as pessoas e cuidar delas, deixando que expressem suas saudades e nos fazendo presentes para que não se sintam sozinhas.
Relembrar boas memórias, ir a lugares que te lembrem da pessoa, ou incorporar hábitos do(a) falecido(a) são modos de vivenciar o luto
sem necessariamente envolver tristeza.
Estamos vivendo um momento crítico na história humana e uma das experiências mais difíceis de luto. Nosso prejuízo emocional por conta da pandemia é sem precedentes. Por isso, muitas vezes é difícil reunir coragem para seguir em frente e não perder a esperança de que isso vai passar.
Mas como humanidade, nosso desafio agora é apoiarmos uns aos outros com cuidado, acolhimento e resiliência. Como seres humanos já passamos por adversidades extremas, nos adaptando, desde os primórdios da nossa existência. Sabendo da finitude da vida, precisamos compartilhar o que sentimos, falar sobre a morte para entender a melhor de fecharmos o nosso próprio ciclo.
Precisamos nos permitir o luto, sabendo que ele é temporário – dure o quanto durar. Permita-se sentir o impacto da morte, mas permita-se também sorrir ao se lembrar dos bons momentos com um ente querido que se foi. Não existe reação certa ou errada, não existe um padrão de luto, existe apenas um novo e desconhecido mundo que virá pela frente. Mas você não está sozinho nessa caminhada.